Acho que todo dia o brasileiro acorda e se pergunta se as regras do jogo nasceram erradas ou se elas foram corrompidas no decorrer do tempo pelos seus próprios atores políticos. A lei fundamental da nossa sociedade que estabeleceu quais seriam as regras do jogo já nasceu velha ou o sistema político tornou nossa Constituição inadequada para nossa realidade? Nessa eterna dúvida, o povo brasileiro sonha com um messias capaz de salvar toda a nação das mazelas criadas pela sua própria sociedade. Mas, sinto informar: não existe e nunca existirá tal messias!
Quando o economista Douglas North, ganhador do Prêmio Nobel da Economia em 1993, definiu as instituições, em seu trabalho seminal Institutions (1990), como as restrições criadas pelo homem para dar forma as interações humanas, ele direcionou o seu pensamento para as regras do jogo e a qualidade dos jogadores. Essas regras do jogo, que são as próprias instituições, têm uma natureza formal arraigada nas leis e nas políticas do país, além de uma natureza informal decorrente dos costumes, crenças e tradições sociais. Enquanto isso, a qualidade dos atores evidencia que não existirão agentes privilegiados com regras especiais que torne impossível a competição no livre mercado. As regras do jogo não podem ser consideradas eternas ou imutáveis, sendo necessário certa flexibilidade para fazer frente aos desafios contemporâneos.
Friedrich Hayek, expoente da Escola Austríaca da Economia, já informava que não existe uma solução simples para problemas complexos, motivo pelo qual o governo sempre fracassa na tentativa de planejamento da economia, uma vez que não considera todas as nuances dos problemas. Por esse motivo, os institucionalistas acreditavam que decisões descentralizadas eram capazes de chegar a resultados mais efetivos, pois seria possível explorar diversos modelos de resolução dos problemas para cada realidade, sem a existência de um governo central impondo soluções diante de inúmeras variáveis que não podem ser mensuradas por um único corpo burocrático. Douglas North considerou os ensinamentos da Escola Austríaca ao informar que as crenças e os costumes das pessoas individualmente consideradas compõem as instituições, portanto, moldam as regras do jogo. O pensamento de Douglas North requer a existência de um governo, mas não a existência de um governo qualquer. Para ele, deve existir um Estado que proteja a propriedade privada e a livre concorrência, e capaz de levar ao desenvolvimento econômico, ou seja, um modelo de Estado que possibilite a limitação do poder autoritário do corpo burocrático, podendo esse pensamento ser resumido na seguinte afirmação:
“Deve haver instituições que impeçam os governos de atacar o mercado. Resolver o problema do desenvolvimento requer, portanto, a formulação de instituições políticas que forneçam os alicerces necessários dos bens públicos essenciais para o bom funcionamento da economia e, ao mesmo tempo, limitem o arbítrio e a autoridade do governo e dos atores individuais dentro dos governos […]” (North, 2005).
Os críticos da teoria de Douglas North afirmam que antes das institucionalizações das regras do jogo surgem as relações econômicas que irão moldar essas regras. Portanto, na visão dos críticos não seriam as regras do jogo que levam ao desenvolvimento econômico, mas o avanço econômico e produtivo que acaba por estabelecer quais seriam as regras a serem adotadas pelos atores econômicos dali em diante. Contudo, os críticos esqueceram que sem um arcabouço institucional de regras que protejam a propriedade privada e a livre iniciativa é praticamente impossível existir desenvolvimento econômico. Sem propriedade privada ou livre comércio como instituições aceitas pela sociedade nunca poderá existir desenvolvimento.
O brasileiro ainda não acordou para a realidade de que não existe um único salvador capaz de enfrentar de frente todo o establishment, composto pelos agentes econômicos e políticos que subverteram e formularam as regras do jogo pensando nos seus próprios interesses, em detrimento de toda a sociedade e do livre mercado. Esses maus agentes estão disseminados em todas as esferas da sociedade, produzindo regras, sejam elas legislativas ou informais, capazes de minar as expectativas do resto da sociedade. O brasileiro precisa aprender o mais rápido possível que cada indivíduo tem responsabilidade única sobre seu futuro, a qual não pode ser terceirizada para um suposto messias que assumirá um trono dourado no Estado e espantará a besta fera do patrimonialismo! Esse messias nunca chegará!
Convivemos com esse pensamento de isenção de responsabilidade desde os tempos da colônia, quando colocamos todo nosso futuro nas mãos do príncipe Regente, clamando para que ele ficasse no Brasil. Exemplos não faltam em nossa história. Terceirizamos nossas reponsabilidades para Getúlio Vargas, que se suicidou na luta contra o establishment, para a vassourinha de Jânio Quadros, que iria varrer a corrupção, para Collor, na sua guerra contra os marajás, para Lula, na sua suposta e mentirosa batalha em favor dos mais pobres e, por último, para Bolsonaro, que de tantos inimigos fica difícil de selecionar apenas um.
O povo precisa aprender que o que precisamos, de verdade, são de instituições que pensem em toda a sociedade e não apenas em grupos de interesse que ditam as regras do jogo a seu bel prazer, decorrentes de uma visão patrimonialista do Estado. A busca pela liberdade não deve ser apenas econômica e política mas, também, da prisão do pensamento que durante séculos acorrentou seus súditos à esperança de um salvador da pátria. O brasileiro espera a salvação por meio do Estado, mas não entende que o motivo do seu atraso foi em função da atuação deste. Quem gera riqueza é o indivíduo, não o Estado!
Não adianta mudar as instituições formais, relatadas por Douglas North, e decorrentes da Constituição Federal e das leis infraconstitucionais, sem que mudem as instituições informais presentes no imaginário popular a partir das suas crenças e costumes. Contudo, não podemos esquecer que houve no Brasil um despertar durante o processo democrático que levou à queda da presidente Dilma e a pressão da sociedade culminou com as condenações dos parceiros do rei na operação Lava Jato, que teve amplo apoio popular. Mesmo assim, no governo Bolsonaro parece que caímos mais uma vez na maldição da espera do Messias.
A sociedade precisa se organizar para pressionar as instituições políticas na sua modernização e para que atuem em favor da competição inerente ao livre mercado que comprovadamente é o melhor meio que temos para enfrentar nossos dilemas econômicos e sociais. A predominância dos “amigos do rei”, que adaptam o Estado para seus benefícios pessoais em detrimento da sociedade, cada dia tem seu final mais próximo, devido especialmente ao poder da informação descentralizada das redes sociais que fulminou o monopólio do discurso detido por esses grupos de interesse. A regras do jogo estão se transformando e os grupos de interesses tentam de toda forma manter o status quo.
Inevitavelmente, as pessoas também estão mudando e o senso crítico do brasileiro deixou de ser manipulado por um ou outro meio de comunicação, em função da rede descentralizada de informações que hoje fazem parte do nosso cotidiano nas redes sociais. Essa mudança de mentalidade proporciona um repensar nas regras do nosso jogo e por isso vemos tantas críticas às nossas instituições.
Um exemplo claro de mudança das regras do jogo que foi pouco explorado pela imprensa ocorreu com aprovação da PEC nº 186/19, chamada de emergencial, que determinou uma revisão de todos os benefícios tributários vigentes com consequente redução do seu percentual total em relação ao PIB. Destaca-se que muitos desses benefícios tributários tem origem da pressão de grupos de interesse e alguns foram deferidos a partir de relações não republicanas com agentes políticos.
Mas, não sejamos ingênuos de acreditar que iremos caminhar em uma linha reta na direção da consolidação das nossas instituições em favor do benefício comum, do livre mercado e da defesa da iniciativa privada, pois o establishment vai contra-atacar e tentar adaptar a nova realidade aos seus interesses. Fiquemos sempre atentos!
Referências
FIANI, Ronaldo. Estado e economia no institucionalismo de Douglass North. Brazilian Journal of Political Economy, v. 23, n. 2, p. 324-339, 2003.
North, D., (1981) Structure and Change in Economic History, Norton, New York.
________ (1990) Institutions, Institutional Change and Economic performance, Cambridge University Press, Cambridge.
________ (1986) “Is it worth making sense of Marx?”, Inquiry 29:57-63, Oslo.
________ and Robert P. Thomas, (1973) The Rise of the Western World: A New Economic History, Cambridge University Press, Cambridge, 1973.
________(1978) “Structure and Performance: The Task of Economic History”, Journal of Economic Literature, 16.
________(1994) and Denzau, A. T. “Shared Mental Models: Ideologies and Institutions”, Kyklos, Vol.47.
________(1993) “Autobiography”, The Bank of Sweden Prize in Economic Sciences in Memory of Alfred Nobel.
________(1999) “Understanding the process of Economic Change”, Iea Occasional Paper, London.
________(1996) “Epilogue: economic performance through time”, in Empirical Studies in Institutional Change, Alston L., Eggertsson T., North D., (eds), Cambridge University Press, Cambridge.
________(1966) The Economic Growth of the United States 1790-1860, WW Norton & Company, New York (Originalmente publicada em 1961 pela Prentice Hall).
________ (2005) Instituições e o desempenho da economia ao longo do tempo. In: Ménard C, Shirley MM (eds) Manual de nova economia institucional. Springer, Dordrecht, pp 21-30